Discutir o erotismo no cinema é, na verdade, explorar sua trajetória; a primeira exibição cinematográfica ocorreu em 28 de dezembro de 1895, em Paris, com as projeções dos irmãos Lumière. O filme “A hora de dormir da noiva”, que apresenta a atriz Louise Willy despindo-se antes de ir para a cama, foi produzido em 1896, no mesmo ano de “A paixão de Cristo”, o primeiro longa-metragem a abordar a figura de Jesus. Assim, ao invés de me perder nos detalhes da história do cinema, vou focar em algumas cenas selecionadas que permitem analisar as controvérsias entre erotismo e pornografia.
Começo relembrando três atores britânicos de notável talento e beleza: Peter O’Toole, Malcolm McDowell e Helen Mirren. O primeiro é conhecido por seu papel em “Lawrence da Arábia”, de 1962, e em “A noite dos generais”, de 1967, além de ter interpretado o imperador romano Tibério, cujo sobrinho Germânico foi pai de Calígula, papel que Malcolm McDowell viveu no filme “Calígula”, de Tinto Brass, de 1976, com Helen Mirren como Caesonia, a esposa de Calígula. Nesse filme, as políticas excêntricas do terceiro imperador romano são acompanhadas por cenas de sexo explícito, com orgias meticulosamente coreografadas, destacando a beleza dos atores e atrizes envolvidos. Por essa perspectiva, o filme, apesar da qualidade do elenco, se aproxima daquilo que se considera cinema pornográfico.
Malcolm McDowell, cinco anos antes, em 1971, atuou em outro longa polêmico, o famoso “Laranja Mecânica”, dirigido por Stanley Kubrick. Naquela época, o filme foi acusado de promover violência e pornografia, resultando em sua proibição; durante sua exibição no Brasil, círculos pretos cobriam os fotogramas com imagens nuas, evitando que pessoas com menos de 18 anos vissem o corpo humano despido, dado que essa era a censura para filmes com cenas de sexo e brutalidade. Para os censores moralistas, ao invés de refletir sobre a violência gerada pelo sistema político e suas formas de repressão, o filme seria capaz de provocá-la, incluindo cenas de estupros e outras atrocidades. Nesse raciocínio, caberia perguntar a esses censores por que os homens ainda não se tornaram totalmente pacíficos e de bom coração após as leituras dos evangelhos, tão frequentemente ouvidas nas missas, e de assistirem a filmes sobre a paixão de Cristo, exibidos tanto durante a Semana Santa quanto no Natal.
Existem muitos filmes que apresentam cenas de sexo que podem ser confundidas com pornografia; para citar alguns diretores e diretoras notáveis, podemos mencionar Bernardo Bertolucci (“O último tango em Paris”, 1972, “A Lua”, 1979), Bigas Luna (“As idades de Lulu”, 1990, “Ovos de ouro”, 1993, “A teta e a Lua”, 1994), Pedro Almodóvar (“Carne trêmula”, 1997), Tinto Brass (“Salão Kitty”, 1975, “Calígula”, 1979, “Carla, a lolita”, 1999), Stanley Kubrick (“Lolita”, 1962, “Laranja Mecânica”, 1971, “De olhos bem fechados”, 1999), Pier Paolo Pasolini (“O decamerão”, 1971, “Os contos de Canterbury”, 1972, “As mil e uma noites”, 1974, “Saló ou os 120 dias de Sodoma”), Nagisa Oshima (“O império dos sentidos”, 1976), José Mojica Marins (“Esta noite encarnarei no teu cadáver”, 1967, “O despertar da besta”, 1970), Ana Carolina (“Das tripas coração”, 1982), Vera Chytilova (“As pequenas margaridas”, 1966), Jesús Franco (“99 mulheres”, 1969), Derek Jarman (“Sebastiane”, 1976) e Srdjan Spasojevic (“Filme Sérvio”, 2010), entre outros.
Além disso, gêneros cinematográficos como o terror frequentemente interagem com o sexo explícito; o renomado ator, roteirista e diretor espanhol Paul Naschy sempre incorporou vampiros (“O grande amor do conde Drácula”, 1973), lobisomens (“A verdadeira história do lobisomem”, 1973) e personagens corcundas (“O corcunda do necrotério”, 1973) em suas narrativas de sexo; jovens frequentemente aparecem em todas as produções envolvendo Freddy Krueger, Jason, Michael Myers e Chucky, o brinquedo assassino; até mesmo em “A volta dos mortos vivos”, de Ken Wiederhorn, de 1989, uma zumbi sedutora, com os seios à mostra, ataca um bêbado desavisado. De fato, nem mesmo o mundo dos desenhos animados escapa dessa temática, pois em “Os Simpsons”, “Os Griffin” e todas as famílias de “South Park” há constantes referências a sexo; nos animes japoneses, o sexo está presente em “Sakura Card Captors”, “InuYasha”, “Dragon Ball”, “Cavaleiros do Zodíaco”, entre outros.
Um crítico despretensioso poderia argumentar que a maioria dos filmes mencionados seria erótica, portanto fora do escopo das devidas censuras direcionadas à pornografia… mas, quais seriam os limites da pornografia? Essa questão, embora frequentemente levantada em discussões sobre o tema, raramente é esclarecida, pois, em muitas ocasiões, os conceitos de erotismo e pornografia não são devidamente problematizados.
É importante testar toda hipótese; logo após a aula, assisti a três filmes pornográficos e confesso que não dormi; ao contrário, dois deles me entusiasmaram bastante, contradizendo, assim, as ideias do professor. Para essa análise, escolhi dois filmes com temáticas que me atraem e um terceiro que era mais convencional, apresentando apenas casais se relacionando em um motel, o que explica meu interesse pelos dois primeiros. Portanto, o critério de apreciação não foi a presença ou ausência de sinestesias, pois os três filmes apresentaram elementos sinestésicos, mas sim impulsos pessoais que me levaram a considerar pelo menos dois deles como eróticos, sugerindo que os limites entre erotismo e pornografia estão mais relacionados ao discurso de quem julga do que à obra em si, seja ela um filme, videoarte, quadrinhos, literatura, música, etc.
Por esse ângulo, com base nos critérios de quem avalia, parece que essas normas foram criadas conforme preceitos morais subjetivos, que precisam ser cuidadosamente examinados antes de serem aplicados em debates, controvérsias ou até mesmo em conversas informais. Nessa situação, seria correto afirmar que a pornografia é algo degradante? Na verdade, o que degrada, em nossos dias, é o sistema capitalista que explora o trabalho e a moral burguesa, repleta de puritanismos, que reduz atividades e valores humanos a mercadorias, onde o único parâmetro é o dinheiro. Assim, quando no seio da família burguesa se repetem as relações de trabalho baseadas no provedor, onde o controle financeiro geralmente recai sobre o homem, o que se vê é uma mulher que se prostitui mais do que qualquer atriz de cinema erótico ou pornográfico, degradando-se junto com os filhos e agregados. Nesse contexto, o sexo no cinema, seja considerado erótico ou pornográfico, é desvalorizado no sistema capitalista não porque seja intrinsecamente degradante, mas porque foi transformado em um produto disponível no mercado, reduzindo seu valor libidinoso a meras quantias financeiras.
No filme de terror “Gritos mortais”, de Brett Piper, de 2003, há diálogos que elucidam a prostituição inerente ao capitalismo. A narrativa gira em torno de um fotógrafo que utiliza seu ofício para satisfazer fetiches sexuais, explorando modelos ambiciosas que buscam entrar no mercado da moda. Logo nas primeiras cenas, um jovem que procura o fotógrafo é recebido por uma secretária descalça; enquanto aguarda na sala de espera, ele percebe que a próxima funcionária, antes de entrar no gabinete, também se descalça, enquanto a primeira busca seus sapatos antes de ir embora. Intrigado, o rapaz pergunta à moça o motivo dessa prática, e ela explica que é uma exigência do fotógrafo, que se especializou e ganhou notoriedade ao tematizar fetiches sexuais em suas exposições e livros de fotografia. Em resposta, ele a critica, indagando se isso não seria prostituição; ela contesta, questionando se os homens se consideram prostitutas ao trabalharem de paletó e gravata, trajes exigidos em várias profissões.
No mercado consumidor, que é o que compõe o sistema capitalista, tudo se reduz a transações financeiras; nesse ambiente, tanto o filme quanto seus temas tornam-se valores de troca. Portanto, se há algo vil no capitalismo, não é a pornografia, mas a própria classe burguesa, levando a questionar como seria a sexualidade uma vez superado o capitalismo na sociedade. Para responder a isso, recorro a outro filme, “A classe operária vai ao paraíso”, de 1971, de Elio Petri, que também contém cenas de sexo. No final, a personagem Lulu Massa, interpretada por Gian Maria Volontè, relata um sonho que teve na noite anterior, no qual a classe trabalhadora demoliu um muro, símbolo da burguesia, mas além do muro, ele não conseguia enxergar nada. Não cabe aqui fazer previsões sobre o futuro, ninguém sabe como a sexualidade humana se manifestará em um mundo livre do capitalismo; para isso, é preciso derrubar o muro ao invés de reforçá-lo com novos tijolos de moralismo burguês.
Por fim, deixo algumas cenas dos filmes “Calígula”, “Saló ou os 120 dias de Sodoma”, “Sebastiane” e “A volta dos mortos vivos”.




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