Sakamoto revela: Dosimetria supera PCC e CV na prisão de criminosos

Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Motta, coloca em pauta o PL da Dosimetria durante Sessão Plenária da Câmara dos Deputados – Ton Molina/Estadão Conteúdo

Por Leonardo Sakamoto

Organizações criminosas como o PCC e o CV, de tempos em tempos, elaboram estratégias audaciosas para libertar seus membros encarcerados. Quando têm sucesso, conseguem resgatar algumas poucas pessoas. O crime organizado tem muito a aprender com o Congresso Nacional, que, com a intenção de diminuir as penas para aqueles que tentaram um golpe de Estado, pode acabar beneficiando também condenados por crimes comuns, violentos ou com grave ameaça. E tudo isso de forma indiscriminada. É como a promoção de fim de ano: solicite a redução da pena de um ex-presidente e de generais, e ganhe também a de quem cometeu delitos sexuais.

Ao redor do país, milhares de cidadãos se mobilizam hoje em protestos contra o PL da Dosimetria, que, sob a alegação de ajudar os pequenos infratores do 8 de janeiro de 2023, visa, na verdade, libertar Jair Bolsonaro, generais e outros responsáveis pela tentativa de golpe. Isso acontece em uma clara desconsideração à Justiça, que ainda não concluiu os julgamentos sobre a intentona.

A estratégia utilizada na Câmara dos Deputados foi modificar as regras de progressão da pena – o que, na prática, encurta a permanência na prisão não apenas para aqueles que tentaram um golpe de Estado, mas também para aqueles condenados por crimes como atos libidinosos, corrupção, coação de testemunhas, crimes ambientais, lavagem de dinheiro, atentados contra serviços públicos e contra a organização do trabalho, entre outros.

Isso não é um detalhe. É a essência do projeto.

Com essa abordagem, os parlamentares demonstram que nunca defenderam penas severas para todos os criminosos, mas apenas para aqueles que não são de seu agrado.
As manifestações de hoje não clamam por vingança. Clamam por limites. Clamam para que o Congresso não transforme a lei penal em uma moeda de troca para resolver a situação jurídica de um ex-presidente condenado por tentativa de golpe. Clamam para que a exceção não se torne a regra, e a regra não se torne uma piada.

Se o PL da Dosimetria for aprovado, não será um acidente legislativo. Será uma decisão deliberada: libertar Bolsonaro mesmo que, para isso, seja necessário abrir as portas das prisões para aqueles que colocaram a vida de outras pessoas em risco. E, mais uma vez, ensinar que no Brasil a lei pode até ser cega, mas, quando convém aos poderosos, ela também aprende a fechar os olhos.

Por fim, gostaria de expressar um desabafo: é tocante ver a quantidade de deputados e senadores afirmando que a massa que participou do 8 de janeiro de 2023 merece um tratamento especial. Tentam fazer parecer que foram condenados por vandalizar uma estátua ou roubar uma réplica da Constituição, quando, na verdade, esses atos apenas os colocaram na cena do crime. A punição por vandalizar estátua é irrisória, e o que realmente importa foi a agressão às sedes dos Três Poderes e a participação na tentativa de golpe de Estado.

Muitos que, nas redes e no parlamento, consideram injusto o que está acontecendo, aplaudiram quando um policial militar disparou 11 tiros nas costas de um jovem que furtou pacotes de sabão líquido em São Paulo. A percepção é que a extrema direita só começou a se preocupar com a dosimetria de penas após a tentativa de golpe de Estado. No entanto, aqueles que já cometeram furtos de alimentos ou bens de pequeno valor têm uma visão diferente: acreditam que a decisão sobre a penalidade depende da cor da pele e da classe social.

Para que a discussão sobre a extensão das penas não seja hipócrita, é necessário abordar o que ocorre na sociedade e que muitos dos autoproclamados homens e mulheres de bem ignoram. Existe uma parcela que considera injusto punir alguém por tentativa de golpe de Estado, mas aceita a pena de morte informal para quem rouba produtos de limpeza. Existem muitos casos de pessoas condenadas por roubar comida. Isso sem contar os casos de severas agressões. Dois homens foram torturados por cinco seguranças do supermercado UniSuper, em Canoas (RS), diante do gerente e do subgerente da loja, após tentarem furtar duas peças de carne. Uma das vítimas, um homem negro, entrou em coma induzido no hospital devido a fraturas no rosto e na cabeça. Outro caso, um tio e seu sobrinho, que furtaram carne de uma unidade do Atakadão Atakarejo, em Salvador, foram encontrados mortos com sinais de tortura e marcas de tiros.

Ninguém está defendendo quem comete erros ou crimes. O que está em discussão é que tipo de Estado e sociedade estamos nos tornando ao acreditarmos que punições severas para delitos triviais (mesmo reincidentes) têm uma função educativa, enquanto se defende a impunidade para ataques à democracia. Desde quando a República passou a ter mais valor do que o acém com osso?

Dois homens furtaram um macaco velho de carro, dois galões de plástico vazios e menos de um litro de óleo diesel e foram condenados, um a 10 meses e 20 dias, outro a 2 anos e 26 dias de prisão. A 1ª Turma do STF, a mesma que julgou os líderes da conspiração golpista, rejeitou, em 2023, a aplicação do princípio da insignificância aos dois, em itens avaliados em R$ 100, e manteve as condenações.

Não há registro de protestos da extrema direita contra essa decisão.

Publicado originalmente no Uol

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