Em fevereiro de 2024, o YouTube excluiu o canal do jornalista britânico independente Robert Inlakesh, eliminando um vasto acervo que havia sido produzido ao longo de aproximadamente dez anos de cobertura sobre a Palestina ocupada, incluindo diversos vídeos e transmissões ao vivo. Dentre os registros deletados, estavam filmagens realizadas na Cisjordânia, com demolições de residências por forças de ocupação, intimidações contra motoristas palestinos e confrontos com manifestantes e jornalistas nas proximidades de colônias ilegais.
Nos meses seguintes, a plataforma intensificou a penalização: em julho, também excluiu um canal de backup do repórter; em agosto, o Google, que controla a plataforma, removeu completamente sua conta, resultando na perda de e-mails, documentos e arquivos de trabalho. Desde então, Inlakesh afirma que não consegue criar novas contas no sistema do Google, ficando, na prática, excluído do maior serviço de vídeos em inglês.
Uma reportagem do The Intercept procurou esclarecer a situação, revelando a série de justificativas contraditórias que a empresa apresentou ao longo do tempo. Inicialmente, o YouTube mencionou “violações severas ou repetidas” de suas normas internas. Em seguida, a justificativa mudou para a alegação de conteúdo “enganoso, golpe ou spam”. Em uma fase posterior, ao comunicar a exclusão da conta do Gmail, o Google declarou que a conta havia sido utilizada para “se passar por outra pessoa ou se apresentar de forma falsa”. As apelações de Inlakesh, segundo ele, não receberam resposta.
Apenas após a persistência do The Intercept em buscar detalhes, a empresa passou a afirmar que o fechamento do canal ocorreu “como parte de investigações sobre operações coordenadas de influência apoiadas pelo Estado iraniano”, insinuando uma conexão com ações de influência do Irã. Contudo, não foram apresentadas provas públicas e a empresa disse não divulgar “métodos” para identificar esse tipo de atividade.
Inlakesh revelou que trabalhou de 2019 a 2021 no escritório da Press TV, uma emissora estatal iraniana sujeita a sanções dos Estados Unidos, mas argumenta que isso não justificaria a completa eliminação de seu material, afirmando que a maior parte do conteúdo era produção independente realizada antes ou depois desse período. Segundo ele, apenas dois vídeos estariam diretamente relacionados à Press TV.
Um documento público do Google, datado do mesmo mês em que o canal foi retirado, revela que a empresa eliminou diversas contas e canais associados ao Irã. Em um relatório do Threat Analysis Group (TAG), a companhia indicou que, em fevereiro de 2024, removeu 37 canais do YouTube vinculados a uma investigação sobre influência iraniana, incluindo contas que publicavam material crítico a “Israel” e à guerra em Gaza, além de conteúdos favoráveis ao Irã, ao Iémen e à Palestina, e críticos aos Estados Unidos e a “Israel”.
O ocorrido reflete uma tendência crescente de censura nas redes sociais, relacionada ao imperialismo. As remoções acontecem através de diversos mecanismos: revisões manuais, sistemas automáticos, verificações baseadas em listas de sanções e de “terrorismo”, além de solicitações governamentais para exclusão de conteúdo. Há anos, a chamada Cyber Unit de “Israel” atua de forma aberta para pressionar empresas de tecnologia a remover conteúdos ligados à Palestina.
O The Intercept também menciona que, entre os aliados dos Estados Unidos, “Israel” é um dos países com maior taxa de “sucesso” em pedidos de remoção em plataformas do Google, alcançando um patamar próximo de 90% desde 2011.
Especialistas entrevistados na reportagem destacaram o impacto das sanções norte-americanas e a “sobreconformidade” (overcompliance) das corporações multinacionais. A consultora em tecnologia e direitos humanos Dia Kayyali afirmou que, com o aumento da automação relacionada a listas de sanções e filtros sobre referências ao Hamas, cresce o número de casos em que conteúdos jornalísticos são excluídos mesmo sem infringir as regras da plataforma. Já o advogado Mohsen Farshneshani, do Sanctions Law Center, ressaltou que a legislação dos Estados Unidos prevê isenção explícita para materiais informacionais e jornalísticos (Berman Amendment, no âmbito do IEEPA), e que “deletar uma conta inteira” ultrapassa muito o que os regulamentos exigem.
Na visão do ex-funcionário do Google Marc Cohen, que afirmou ter investigado o caso internamente antes de deixar a empresa denunciando sua política de apoio a “Israel” na guerra em Gaza, sem pressão pública, Inlakesh teria permanecido sem qualquer explicação clara. O jornalista, por sua vez, questionou o significado prático de ser rotulado, sem evidências, como parte de uma operação estrangeira: “para fazer isso e não me fornecer informação nenhuma, vocês estão basicamente dizendo que sou um agente estrangeiro do Irã”, declarou ao The Intercept, exigindo documentação e provas.